Veja o que o Estado faz com o Policial.
"SER POLICIAL É SOBRETUDO UMA RAZÃO DE SER": CONSIDERAÇÕES ACERCA DO IMPACTO CAUSADO PELO AFASTAMENTO DO TRABALHO NA SAÚDE MENTAL DE POLICIAIS MILITARES DO RIO DE JANEIRO
Helen de Abreu Oliveira 1
Priscila Azevedo de Souza 1
João Ferreira da Silva Filho 2
Carla De Meis 3
Instituto de Psicologia - IP/UFRJ; 2. Centro de Ciências da Saúde - CCS/UFRJ; 3. Faculdade de Medicina - FM/CCS/UFRJ
INTRODUÇÃO:
O interesse por esse tema advém tanto da necessidade de ampliação das formas de produção e resposta ao crescimento das demandas do mercado, quanto da urgência do entendimento das conseqüências do trabalho na vida humana. A segunda proposição direciona para o estudo das relações do homem com o trabalho, o significado que este atribui a essa função e suas conseqüências sobre a vida do trabalhador. O trabalho é constitutivo da identificação do sujeito humano na modernidade, é através dele que o homem se entende como sujeito capaz de participar da vida em sociedade. Assim, o trabalho se constituiu como medida do valor. Seu sentido é construído de forma individualizada para cada sujeito e, portanto, deve ser analisado através do discurso de cada um. O presente estudo tem como objetivo analisar as conseqüências do processo de trabalho na formação da subjetividade do policial militar e o seu impacto na saúde mental deste profissional. O trabalho policial é marcado pela rigidez e pela hierarquia. Outra característica são as exigências demandadas a esses trabalhadores, tanto pelo Estado quanto pela sociedade civil e pela própria corporação.
METODOLOGIA:
Foi feito um estudo de caso com um policial, 2º sargento, com 21 anos de tempo de serviço, inscrito no Programa de Trabalho para Policiais Militares Reincluídos e/ou Reciclados (PTPM) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Tal programa foi criado para reciclar policiais que responderam a processo por mau comportamento ou foram afastados por terem infringido o Regulamento da PMERJ. Os policiais que foram absolvidos em julgamento cursam o PTPM como condição para retornarem ao trabalho policial. Durante esse período é feito uma avaliação psicológica desses policiais a fim de verificar se possuem condições para exercerem qualquer tipo de atividade policial ou se há restrições ao exercício de trabalho que os exponham a riscos, como o serviço nas ruas. Neste caso os policias restritos exercem apenas funções administrativas. O estudo de caso realizou–se através de entrevistas no Centro de Qualificação de Profissionais de Segurança, que é parte de um batalhão de instrução da PMERJ onde é ministrado esse curso.
RESULTADOS:
I., 50 anos, policial militar, respondeu a processo na corporação por ter emprego paralelo ao trabalho policial. Relata: “minha vida mudou quando fui enviado ao PTPM,me sinto injustiçado e desvalorizado”. É a 2ª vez que o entrevistado responde a processo, sendo a 1ª foi por tentativa de seqüestro, do qual foi inocentado. No 2º processo ficou preso por 30 dias e foi afastado da corporação por três anos. I. afirma: “esse período foi o mais difícil de minha vida”. Ao regressar à polícia executou serviços internos até ser inscrito no PTPM. O entrevistado considera humilhante o afastamento do serviço de rua. Diz: “sempre executei serviços de polícia, ajudando a elevar as estatísticas da PM no combate ao crime”. Explica que chegou a receber condecorações pelos serviços prestados e relata: “sempre sonhei em ser policial... só sei dar tiro, só sei prender bandido. Pra mim, ficar afastado da rua é como se tivesse morrido”. Apresenta sinais de tristeza profunda, angústia que, segundo ele, “surge de repente” além de ter sensações de estranhamento quanto a si próprio. Afastou-se dos amigos e da família, não se considera mais um bom pai e não sente mais vontade de sair e fazer as coisas que gostava. Pensou em suicídio duas vezes e na última, chegou a pôr o revólver na cabeça, mas desistiu ao pensar nos filhos. Não se imagina mais trabalhando como policial, apesar de relatar que não sabe fazer outra coisa. Sente o preconceito da corporação por estar no PTPM e acha que ficará marcado para sempre como um policial reciclado.
CONCLUSÕES:
Ao ingressar na instituição policial cada indivíduo recebe um novo nome assim como um número de identificação pelos quais passa a ser reconhecido e a se reconhecer como policial. A troca de identidade mostra como a Instituição Total atravessa esses sujeitos, produzindo novas formas de relacionamento destes com o mundo. Há forte identificação dos policiais com a farda, perpassando o âmbito laboral. Grande sofrimento é demonstrado pelo policial ao relatar o afastamento do trabalho como o período mais difícil de sua vida, embora tenha vivido situações consideradas graves como a acusação de seqüestro. Ser policial sempre foi valorizado e tido como o ideal por muitos jovens, o que se observou no que foi relatado pelo entrevistado que sempre quis ser policial e não sabe fazer outra coisa. O afastamento do serviço de rua é relevante. Ao não executar a tarefa que ele identifica como sendo o verdadeiro trabalho policial, I. demonstra seu sentimento de perda de valor social. A perda do interesse pela vida, pelos outros e pelo próprio trabalho indica o sofrimento psíquico decorrente do afastamento o que é agravado pela reciclagem. Isso se repete nas histórias dos policiais do PTPM, enfatizando que o impedimento do exercício pleno da função policial para essas pessoas, atravessa desde o próprio corpo, passando pela vida social até o sofrimento mental.
Instituição de fomento: FAPERJ e CNPq
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave: saúde mental ; trabalho; polícia militar.
Helen de Abreu Oliveira 1
Priscila Azevedo de Souza 1
João Ferreira da Silva Filho 2
Carla De Meis 3
Instituto de Psicologia - IP/UFRJ; 2. Centro de Ciências da Saúde - CCS/UFRJ; 3. Faculdade de Medicina - FM/CCS/UFRJ
INTRODUÇÃO:
O interesse por esse tema advém tanto da necessidade de ampliação das formas de produção e resposta ao crescimento das demandas do mercado, quanto da urgência do entendimento das conseqüências do trabalho na vida humana. A segunda proposição direciona para o estudo das relações do homem com o trabalho, o significado que este atribui a essa função e suas conseqüências sobre a vida do trabalhador. O trabalho é constitutivo da identificação do sujeito humano na modernidade, é através dele que o homem se entende como sujeito capaz de participar da vida em sociedade. Assim, o trabalho se constituiu como medida do valor. Seu sentido é construído de forma individualizada para cada sujeito e, portanto, deve ser analisado através do discurso de cada um. O presente estudo tem como objetivo analisar as conseqüências do processo de trabalho na formação da subjetividade do policial militar e o seu impacto na saúde mental deste profissional. O trabalho policial é marcado pela rigidez e pela hierarquia. Outra característica são as exigências demandadas a esses trabalhadores, tanto pelo Estado quanto pela sociedade civil e pela própria corporação.
METODOLOGIA:
Foi feito um estudo de caso com um policial, 2º sargento, com 21 anos de tempo de serviço, inscrito no Programa de Trabalho para Policiais Militares Reincluídos e/ou Reciclados (PTPM) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Tal programa foi criado para reciclar policiais que responderam a processo por mau comportamento ou foram afastados por terem infringido o Regulamento da PMERJ. Os policiais que foram absolvidos em julgamento cursam o PTPM como condição para retornarem ao trabalho policial. Durante esse período é feito uma avaliação psicológica desses policiais a fim de verificar se possuem condições para exercerem qualquer tipo de atividade policial ou se há restrições ao exercício de trabalho que os exponham a riscos, como o serviço nas ruas. Neste caso os policias restritos exercem apenas funções administrativas. O estudo de caso realizou–se através de entrevistas no Centro de Qualificação de Profissionais de Segurança, que é parte de um batalhão de instrução da PMERJ onde é ministrado esse curso.
RESULTADOS:
I., 50 anos, policial militar, respondeu a processo na corporação por ter emprego paralelo ao trabalho policial. Relata: “minha vida mudou quando fui enviado ao PTPM,me sinto injustiçado e desvalorizado”. É a 2ª vez que o entrevistado responde a processo, sendo a 1ª foi por tentativa de seqüestro, do qual foi inocentado. No 2º processo ficou preso por 30 dias e foi afastado da corporação por três anos. I. afirma: “esse período foi o mais difícil de minha vida”. Ao regressar à polícia executou serviços internos até ser inscrito no PTPM. O entrevistado considera humilhante o afastamento do serviço de rua. Diz: “sempre executei serviços de polícia, ajudando a elevar as estatísticas da PM no combate ao crime”. Explica que chegou a receber condecorações pelos serviços prestados e relata: “sempre sonhei em ser policial... só sei dar tiro, só sei prender bandido. Pra mim, ficar afastado da rua é como se tivesse morrido”. Apresenta sinais de tristeza profunda, angústia que, segundo ele, “surge de repente” além de ter sensações de estranhamento quanto a si próprio. Afastou-se dos amigos e da família, não se considera mais um bom pai e não sente mais vontade de sair e fazer as coisas que gostava. Pensou em suicídio duas vezes e na última, chegou a pôr o revólver na cabeça, mas desistiu ao pensar nos filhos. Não se imagina mais trabalhando como policial, apesar de relatar que não sabe fazer outra coisa. Sente o preconceito da corporação por estar no PTPM e acha que ficará marcado para sempre como um policial reciclado.
CONCLUSÕES:
Ao ingressar na instituição policial cada indivíduo recebe um novo nome assim como um número de identificação pelos quais passa a ser reconhecido e a se reconhecer como policial. A troca de identidade mostra como a Instituição Total atravessa esses sujeitos, produzindo novas formas de relacionamento destes com o mundo. Há forte identificação dos policiais com a farda, perpassando o âmbito laboral. Grande sofrimento é demonstrado pelo policial ao relatar o afastamento do trabalho como o período mais difícil de sua vida, embora tenha vivido situações consideradas graves como a acusação de seqüestro. Ser policial sempre foi valorizado e tido como o ideal por muitos jovens, o que se observou no que foi relatado pelo entrevistado que sempre quis ser policial e não sabe fazer outra coisa. O afastamento do serviço de rua é relevante. Ao não executar a tarefa que ele identifica como sendo o verdadeiro trabalho policial, I. demonstra seu sentimento de perda de valor social. A perda do interesse pela vida, pelos outros e pelo próprio trabalho indica o sofrimento psíquico decorrente do afastamento o que é agravado pela reciclagem. Isso se repete nas histórias dos policiais do PTPM, enfatizando que o impedimento do exercício pleno da função policial para essas pessoas, atravessa desde o próprio corpo, passando pela vida social até o sofrimento mental.
Instituição de fomento: FAPERJ e CNPq
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave: saúde mental ; trabalho; polícia militar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Todo e qualquer comentário proferido neste blog é de exclusiva responsabilidade do autor. Comentários com conteúdos impróprios ou com palavras de baixo calão não serão publicados, assim como qualquer um comentário julgado ofensivo pelo idealizador deste blog.
Ao proferir comentários, você autoriza o uso de seus comentários pelo blog.