Conversava com um amigo na internet sobre polícia, segurança pública e temas recorrentes aqui no blog, quando chegamos ao questionamento do porquê os governos e a sociedade parecem desconhecer as dificuldades e carências das nossas polícias. O amigo, sagaz, fez a seguinte observação, não exatamente descrita, mas com tal significado:
“As polícias são mestras em enfatizar trivialidades, ações aparentemente positivas sem qualquer ou quase nenhum efeito prático, algumas vezes, simulações de nobreza, em outras, simulações de eficácia, sem falar nas falaciosas demonstrações de espírito comunitário. A parte é tida pelo todo, a comunidade se impressiona, os governos fingem que acreditam na competência, e tudo permanece inalteradamente mau”.
Não discordando do colega, faço uma ressalva a sua observação, referente às iniciativas positivas que existem nas polícias Brasil afora, programas, unidades e projetos que apontam para a possibilidade duma atuação policial minimamente condizente com o que é direito da sociedade.
Mas é grave a tentativa de mostrar a qualquer custo à opinião pública que “está tudo bem”, quando o ambiente não é lá o melhor. Tomemos como exemplo um chefe ou comandante de uma unidade policial (civil ou militar) que se esforça para, a todo custo, apresentar uma superestrutura, equipamento, treinamento,disciplina e outros aspectos desejáveis numa unidade policial quando da visita de um ocupante de alto cargo no governo.
Para isso, só há duas possibilidades: ou tudo aquilo existe, de fato, ou não passa de simulação feita à custa de improvisos e teatralização das dificuldades. Só ganha o autor da simulação, que mostra que (não) consegue fazer mais com pouco, ou nada; que não incomoda exigindo novas soluções, e, além disso, se exime da responsabilidade de propor mudanças de rota para a solução dos problemas. A esse sujeito, a política dará crédito, mas a coisa pública permanecerá desfavorecida.
Não é diferente quando uma polícia se propõe à demagogia comum à política eleitoral. Anunciar medidas sem a certeza de sua eficácia, ou hiperdimensionar a eficácia de medidas já adotadas, pode até gerar bônus eleitoral aos governos, mas desgastam as corporações policiais, que, diferente dos governos, não são passageiras: perderão a credibilidade que possuem, inclusive internamente, gerando um ambiente de desconfiança e incredulidade.
Para que o leitor perceba a profundidade desta questão, mesmo o mais raso grau hierárquico das organizações policiais não têm coragem de admitir certos problemas e carências por que passa no dia-a-dia do seu trabalho – por exemplo, na família ou na roda de amigos em que se esteja realizando alguma exaltação e curiosidade sobre seu cotidiano profissional.
Como acabar com estes problemas? A resposta extremista seria “despolitizar” as corporações, algo inaplicável plenamente quando estamos tratando de organizações públicas. Mas é possível caminhar para uma “honestidade corporativa” aos poucos, atingindo aspectos da formação policial, reduzindo a dependência financeira ligada a cargos e funções e criando uma cultura mais efetiva de diagnóstico e transparência, que envolve inclusive a extinção de qualquer limitação à liberdade de expressão dos policiais.
Ou começamos a pensar sobre isso, ou continuaremos vivendo no País das Maravilhas, como Alice, sempre a desconfiar de nós mesmos:
“Eu não posso me explicar, eu estou com medo, senhor, porque eu não sou eu mesmo que você vê.”
Alice no País das Maravilhas – Charles Lutwidge Dodgson