...
.
Assunto: MILITAR. DIREITO DE ASSOCIAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
*Íntegra da sentença que condenou a União ao pagamento de danos morais, a ex-diretor da Anprafa.*
PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DA 5ª REGIÃO
Seção Judiciária do Ceará - 3a Vara Federal
Praça Murilo Borges, s/n, edf. Raul Barbosa, 9º andar, Centro, Fort.-CE, CEP
60035-210, PABX (85) 3452.25.00
*2007.81.00.001765-8*
Sentença nº_______/2008 - Tipo A (Resolução nº 535/2006).
Processo nº 2007.81.00.001765-8.
Classe 29 - AÇÃO ORDINÁRIA (PROCED. COMUM ORDINÁRIO).
Autor(a)(e)(s): PAULO JOSÉ FERREIRA DANTAS.
Ré(u)(s): UNIÃO.
EMENTA: ADMINISTRATIVO E CIVIL. PRAÇA. MILITAR. DIREITO DE ASSOCIAÇÃO.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIA ATRAVÉS DA "INTERNET".
VIOLAÇÃO À HIERARQUIA E À DISCIPLINA MILITAR. PRISÃO. TRANSGRESSÃO MILITAR. INEXISTÊNCIA. GARANTIA FUNDAMENTAL. CONTROLE JURISDICIONAL DA ATUAÇÃO ESTATAL. VIABILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE RECONHECIDA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
I. A União, como integrante da Administração Direta, sujeita-se aos ditames do art. 37, § 6°, da CF/19881, que, com arrimo na teoria do risco administrativo, atribui à Administração Pública o dever de indenizar a vítima pelos danos causados por seus agentes, quando atuam nessa qualidade, não se cogitando acerca da existência de dolo ou culpa "strictu sensu".
Nessas hipóteses, inverte-se o ônus da prova ao Estado que, para se eximir da obrigação de indenizar, deve demonstrar a existência de alguma excludente de responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior).
II. Na espécie, comprovou-se que o(a) Promovente, militar de carreira, foi submetido à prisão disciplinar, com início no dia 18.12.2004 e término no dia 19.12.2004, e que essa punição decorreu de ter subscrito Nota à Imprensa veiculada na "Internet", através do site da Associação Nacional de Praças das Forças Armadas - ANPRAFA, tendo, no entender da autoridade militar, agido em desconformidade com os parâmetros da hierarquia e a disciplina, os quais dão a tônica da vida na caserna.
III. É viável a análise da atuação administrativa no caso concreto, para o fim de determinar a compatibilidade da punição infligida ao(à)(s) Militar(es) com a ordem constitucional vigente.
IV. Na esteira do entendimento firmado pelo Juiz Federal Roberto Machado nos autos de ação conexa ao presente feito, conclui-se que a privação da liberdade do Autor pelos motivos divulgados pela Administração castrense não encontra guarida na Ordem Constitucional brasileira, de que decorre a sua ilicitude, uma vez que o exercício de uma garantia constitucionalmente assegurada a todos - a liberdade de expressão e de associação - não pode, obviamente, caracterizar uma transgressão militar. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais.
V. Considerando que a União não logrou comprovar a existência de culpa do(a) Militar ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior, o que afastaria a responsabilização civil do Estado, e que está demonstrado o nexo de causalidade entre o ilícito e o serviço militar, com a materialização de danos morais, é cabível a reparação pecuniária pela União.
VI. O valor a ser fixado a título de indenização por danos morais deve atender, eqüitativamente, ao binômio "reparação/punição", à situação econômica do agente, ao elemento subjetivo do ilícito, e à extensão do prejuízo causado, arbitrando-se um valor que seja ao mesmo tempo reparatóri oe punitivo, não sendo irrisório e nem se traduzindo em enriquecimento indevido. Atentando para os critérios da razoabilidade, é adequado, ao caso em deslinde, a fixação de uma quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que atende, perfeitamente, a estes critérios, reparando os danos morais provocados sem acarretar, por outro lado, a possibilidade de enriquecimento sem causa.
VII. Procedência do pedido.
I. RELATÓRIO
1. Trata-se de AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO na qual o promovente, qualificado nos autos, pretende, sob o pálio da gratuidade judiciária, a condenação da União em danos morais no valor de R$ 98.000,00 (noventa e oito mil reais), em decorrência da prisão administrativa militar sem fundamento legal.
2. Afirma o autor que é membro da Associação Nacional de Praças das Forças Armadas - ANPRAFA, tendo veiculado, na Internet, matéria de interesse da categoria, e que em razão disso sofreu prisão administrativa ordenada pela autoridade militar.
3. Em face do cerceamento de sua liberdade, moveu representação no âmbito da Procuradoria da República do Ceará, a qual ensejou a propositura de Ação Civil Pública perante a 6ª Vara desta Seccional. Segundo afirma, a sentença prolatada naqueles autos julgou procedentes os pedidos para o fim de declarar nulos os atos punitivos aplicados e de condenar a União a se abster de praticar atos de caráter disciplinar em desfavor de membros da Associação Nacional de Praças das Forças Armadas - ANPRAFA, em razão, tão somente, da manifestação de seu pensamento.
4. Alega o autor que está evidente o ilícito cometido pela ré, de que decorreram danos materiais e morais passíveis de ressarcimento.
5. Instruem a inicial os documentos de fls. 09-381. A gratuidade judiciária foi deferida no despacho inicial.
6. Regularmente citada, a União apresentou a contestação de fls. 389-404, na qual, amparada em parecer exarado da Administração Militar, defende, em suma, que as Forças Armadas têm por base a hierarquia e a disciplina e que seus integrantes devem pautar-se por tais diretrizes, sob pena de vir a responder pelos atos praticados em dissonância com as regras estatuídas na Lei nº 6.880/80 e no Decreto nº 4.346/2002; que a punição decorrente das condutas qualificadas como transgressões militares não atenta contra a Constituição Federal; que a conduta do Autor atenta contra a hierarquia e a disciplina, eis que a divulgação da notícia na Internet estimula a discussão de assuntos políticos e militares, além de se consistir em crítica à autoridade do Comandante do Exército; que não houve malferimento do procedimento administrativo, eis que assegurados o contraditório e a ampla defesa, e que o sacrifício do rigor sacramental próprio do processo penal, se houve, deu-se porque a situação exigia a imediata apuração; que não há prova do dano material sofrido; que, quanto ao dano material, o fato de a Administração castrense ter atuado dentro da legalidade não enseja o direito
à indenização; que, no caso de não acolhidos os argumentos anteriores, o quantum indenizatório deve ser reduzido, uma vez que irrazoável.
7. Em réplica (fls. 410-414 e 420-421), reiterou o promovente os argumentos da inicial e requereu o julgamento antecipado da lide. A União, à fl. 425, também declarou não ter mais provas a produzir.
8. Vieram-me os autos conclusos.
9. É o relatório.
II. FUNDAMENTAÇÃO
10. Compulsando minuciosamente os presentes autos, constata-se que, apesar de a questão de mérito ser de direito e de fato, o processo epigrafado comporta o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC2, uma vez que as pertinências fáticas relevantes demandam apenas provas eminentemente documentais, inexistindo a necessidade de produção de novas
provas em audiência, o que é corroborado pela evidência de que ambas as partes dispensaram a possibilidade de produzirem novas provas.
11. O cerne da questão refere-se à possibilidade de ser imputada à União a responsabilidade civil por danos morais, em razão da prisão disciplinar do Autor por transgressão militar, a seu ver inexistente.
12. Analisando meticulosamente a questão, lanço mão da premissa dogmática de que o perfil estrutural da responsabilidade civil, em princípio, pressupõe a conjugação dos seguintes elementos: conduta ilícita, dano, nexo causal e culpa "latu sensu". A ausência de qualquer desses elementos torna evidentemente insubsistente a responsabilização por eventuais danos, à exceção das hipóteses de responsabilidade objetiva, nas quais a ausência de culpa "latu sensu" não inviabiliza a constituição do vínculo de responsabilidade.
13. Notadamente, em matéria de responsabilização civil, a União se sujeita aos cânones normativos do art. 37, § 6°, da CF/883, que, com arrimo na Teoria do Risco Administrativo, atribui à Administração Pública o dever de indenizar a vítima pelos danos causados por seus agentes, quando atuam nessa qualidade, não se cogitando acerca da existência de dolo ou culpa strictu sensu. Nessas hipóteses, inverte-se o ônus da prova ao Estado que, para se eximir da obrigação de indenizar, deve demonstrar a existência de alguma excludente de responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior).
14. Conforme os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: "A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesada. Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado peles demais... O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes desta doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primara vez no art. 194 da CF de 1946."4
15. No que concerne, especificamente, à responsabilização civil por danos morais, verifico que a proteção normativa de tal instituto tem, igualmente, matiz constitucional, uma vez que a Lei Magna prevê, no art. 5º, inciso V, que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".5 O mesmo artigo, no inciso X, estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".6 Não resta dúvida, pois, de que as agressões à dignidade, à honra, à honestidade, à integridade física, etc., podem constituir danos morais, sendo, portanto, em princípio, indenizáveis.
16. Nesta seara singular, deve-se perceber, também, que o prejuízo advindo do dano puramente moral é presumível, dado que, como se trata de algo imaterial ou ideal, sua prova não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Em outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorrendo da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração. Existe, portanto, "in re ipsa", o que repousa na consideração de que a concretização do prejuízo anímico suficiente para responsabilizar o praticante de ato ofensivo ocorre por força do simples fato da violação, tornando-se despicienda a prova do prejuízo em concreto.
17. Em respaldo ao asseverado, confiram-se os seguintes excertos jurisprudenciais exarados pelo eg. STJ e pelo col. TRF da 5ª Região, "expressis litteris":
"O dano moral não depende de prova; acha-se "in re ipsa".
"Em casos que tais, o dano é considerado "in re ipsa", isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato e da experiência comum."
"Tal ato constitui ilegalidade que por si só, gera direito à indenização, sem a necessidade de prova objetiva do constrangimento ou do abalo à honra e à reputação, bem como de repercussão negativa do fato perante o meio social do indivíduo."
18. No mesmo sentido: Recurso Especial n° 709877/RS (2004/0175667-0), 1a
Turma do STJ, Rel. Min. Luiz Fux. j. 20.09.2005, unânime, DJ 10.10.2005;
Recurso Especial n° 640196/PR (2004/0043164-5), 3a Turma do STJ, Rel. Min.
Castro Filho. j. 21.06.2005, unânime, DJ 01.08.2005; Recurso Especial n°
595931/RS (2003/0168069-7), 4a Turma do STJ, Rei. Min. César Asfor Rocha. j.
21.10.2004, unânime, DJ 14.03.2005...
19. Caracterizada, então, a desnecessidade da comprovação do dano moral, basta a configuração da ilicitude da conduta "in re ipsa" da Ré, para que se extraia a possibilidade de existência de responsabilidade civil por danos morais, inexistindo óbice, a teor do Dispositivo Sumular nº 37 do STJ, que seja acumuladas as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
20. Por outro lado, é mister ressaltar que nem toda ilicitude é apta afigurar como fonte de danos morais. Para o exame crítico de tal asserção, parto da adução dogmática de que esses danos se configuram pela ilicitude que implica lesão grave de bem jurídico integrante da personalidade, tal
como a honra, a dignidade, a liberdade, a saúde, a integridade física e psicológica, etc., podendo causar efeitos como sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. Esclareça-se, por sinal, que "o dano moral não é a dor, a angustia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a conseqüência do dano. [...] O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria um interesse juridicamente reconhecido"
21. Não é qualquer dissabor ou aborrecimento, portanto, que pode gerar dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias ao espírito ao qual ela se dirige, violando os fundamentais direitos da personalidade. Não fosse assim, a vida em sociedade tornar-se-ia insuportável e o menor desconforto seria motivo suficiente para alguém solicitar a tutela jurisdicional do Estado a reclamar danos morais.
22. O deferimento de indenização por danos morais, sobretudo, demanda o exame crítico da conduta do agente, supostamente, causador do fato, a verificação da sua reprovabilidade e da potencialidade danosa da conduta em relação ao patrimônio imaterial da vítima, sopesando a situação em face do sentimento médio da população, objetivando reprimir a prática de condutas
que atinjam a honra, a imagem e outros direitos inerentes à personalidade. Para esse desiderato, a fim de que o instituto não seja banalizado e venha a tornar-se a panacéia para todos os males, há de se orientar o órgão julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, prudência e ponderação, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente, aplicada às peculiaridades de cada caso. Em suma, o dano deve ser de tal modo grave que, mediante um juízo de ponderação axiológica, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado, por violação a direitos da personalidade, afastando a idéia de simples aborrecimentos ou dissabores.
23. Na espécie, inicialmente, destaco que a existência de lei específica que rege a atividade militar, no caso, a Lei nº 6.880/1980, não isenta a responsabilidade do Estado, prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, pelos danos morais causados a militar em decorrência de ilícito sofrido.
24. Nesta linha de raciocínio, vislumbro que restou comprovado, pelas alegações e provas colacionadas aos autos, que o(a) Militar foi submetido à prisão disciplinar, com início no dia 18.12.2004 e término no dia 19.12.2004, e que essa punição decorreu de ter subscrito Nota à Imprensaveiculada na Internet (rede mundial de computadores), através do site da Associação Nacional de Praças das Forças Armadas - ANPRAFA, sob o título "Palestra do Comandante do Exército na Guarnição de Fortaleza frustra seu público alvo: Subtenentes e Sargentos", tendo, no entender da autoridade militar, "discutido sobre assunto político respeitante às Forças Armadas sem a devida autorização; mostrado-se indiscreto sobre assunto de caráter oficial; desconsiderado o Sr. Comandante do Exército Brasileiro entre militares e civis; e promovido crítica coletiva em relação à mesma
autoridade."
25. Parto da premissa segundo a qual o exame da licitude da punição disciplinar impugnada não pode prescindir da aferição de sua harmonia com princípios e regras abraçados pela Constituição Federal de 1988.
26. Na lição da Professora Germana de Oliveira Moraes, "todo e qualquer ato administrativo, inclusive o discricionário e o resultante da valoração de conceitos indeterminados, é suscetível de revisão judicial, muito embora nem sempre plena, por meio da qual o Poder Judiciário examinará a compatibilidade de seu conteúdo com os princípios gerais de direito."
27. A atual compreensão do Direito como sistema normativo aberto de regras e princípios implica o reconhecimento da incidência do princípio da juridicidade no campo do Direito Administrativo, de que decorre uma forma de controle através da análise da compatibilidade do conteúdo dos atos
administrativos com os princípios gerais de Direito, inseridos expressamente na Constituição (ex: publicidade, eficiência, moralidade, impessoalidade) ou dedutíveis de seu espírito, do regime constitucional do Estado Democrático de Direito (razoabilidade e proporcionalidade).
28. Dessa forma, a análise da atuação estatal no caso concreto, nos termos em que proposta, não abre margem ao Poder Judiciário para que adentre o mérito da punição infligida ao(à)(s) Militar(es), prestando-se, tão somente, a averiguar a sua compatibilidade com a ordem constitucional vigente.
29. Em assim sendo, verifico que a ilicitude da atuação estatal foi reconhecida por sentença prolatada nos autos da Ação Civil Pública nº 2005.81.00.001618-9, in verbis:
"(...)
Embora o RDE haja sido recepcionado pela CF/88, não estando eivado da pecha de inconstitucionalidade, as punições aqui vergastadas revelam-se nulas por outro fundamento de status constitucional. Quando subscreveram a nota veiculada na Internet, as praças não agiram em nome próprio enquanto militares da ativa e, sim, na condição de membros de direção da Associação Nacional de Praças das Forças Armadas, licenciados que se encontravam do serviço ativo. As punições a elas impostas pela autoridade castrense, portanto, ofendem diretamente o disposto no art. 5º, IV, XVII e XVIII, que garante a liberdade de pensamento e de associação, vedando a interferência estatal no funcionamento desta. É dizer: punições impostas a militares
licenciados do serviço ativo e no exercício do cargo de direção de associações de classe, além de importar interferência no funcionamento desta, malfere a liberdade de expressão da própria associação enquanto pessoa jurídica distinta de seus membros. Não há como puni-los pessoalmente, por ato de autoria da entidade por eles representada, sem que isto não importe malferimento àqueles postulados constitucionais.
LEI DE HIERARQUIA INFERIOR - INAFASTABILIDADE - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - TRANSGRESSÃO MILITAR - INEXISTÊNCIA - FALTA DE JUSTA CAUSA - PUNIÇÃO ANULADA - RECURSO PROVIDO.
(...)
Mas a União vai mais além em sua contestação, advogando que as praças agiram
sponte sua, escondendo-se sob o manto da associação que dirigem, justificando-se, pois, as punições que amargaram, em virtude das transgressões militares cometidas. É certo que as praças veicularam a nota vergastada sem que a associação assim deliberasse em assembléia geral, consoante resta confessado às fls. 188/189. A despeito disto, não extrapolaram suas atribuições, porque a publicação de nota ao público é ato de mera gestão, ex vi do disposto no art. 2º II, c.c. art. 38 I e II do Estatuto da ANPRAFA, dispensando deliberação assemblear.
(...)"
30. Adotando os fundamentos lançados pelo MM. Juiz Federal Roberto Machado
na sentença acima transcrita, chego à conclusão de que a privação da liberdade do Autor pelos motivos divulgados pela Administração castrense não encontra guarida na Ordem Constitucional brasileira, de que decorre a sua ilicitude, uma vez que o exercício de uma garantia constitucionalmente assegurada a todos - a liberdade de expressão e de associação - não pode, obviamente, caracterizar uma transgressão militar.
31. Nesse sentido, colho o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça,
in verbis:
CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - MILITAR - ATIVIDADE CIENTÍFICA - LIBERDADE DE EXPRESSÃO INDEPENDENTE DE CENSURA OU LICENÇA - GARANTIA CONSTITUCIONAL
I - A Constituição Federal, à luz do princípio da supremacia constitucional,
encontra-se no vértice do ordenamento jurídico, e é a Lei Suprema de um País, na qual todas as normas infraconstitucionais buscam o seu fundamento de validade.
II - Da garantia de liberdade de expressão de atividade científica,
independente de censura ou licença, constitucionalmente assegurada a todos
os brasileiros (art. 5º, IX), não podem ser excluídos os militares em razão de normas aplicáveis especificamente aos membros da Corporação Militar.
Regra hierarquicamente inferior não pode restringir onde a Lei Maior não o fez, sob pena de inconstitucionalidade.
III - Descaracterizada a transgressão disciplinar pela inexistência de violação ao Estatuto e Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, desaparece a justa causa que embasou o processo disciplinar, anulando-se em conseqüência a punição administrativa aplicada.
III - Recurso conhecido e provido.
32. Noutra perspectiva, penso que a União não logrou comprovar a existência de culpa do(a) Militar ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior, o que afastaria a responsabilização civil do Estado. Assim, demonstrado o nexo de causalidade entre o ilícito e o serviço militar, com a materialização de danos morais, cabível a reparação pecuniária pela União.
33. Tomo a liberdade de transcrever acórdãos representativos do entendimento
dos Tribunais Regionais Federais sobre a matéria:
Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO -RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR DANOS MORAIS CAUSADOS A MILITAR EM RAZÃO DE PRISÃO DISCIPLINAR - ILEGALIDADE DO ATO, PRATICADO TAMBÉM EM DESRESPEITO A DECISÃO JUDICIAL - CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.
1. Revelando-se ilegal e arbitrária a prisão disciplinar imposta a militar, merece confirmação a sentença que condenou a União Federal à indenização por danos morais a ele causados, mormente se o ato impugnado foi praticado em flagrante ofensa a sentença judicial, que reconhecera ao Autor o direito à aquisição do imóvel funcional em que residia.
2. Disciplina e hierarquia, princípios inerentes à situação jurídica especial dos militares, não se confundem com ilegalidade e arbitrariedade.
3. Valor indenizatória corretamente fixado.
4. Apelações e remessa improvidas.
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. MILITAR. DEMISSÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. OFENSA DOS DIREITOS À PRIVACIDADE. INEXISTÊNCIA. DANO CAUSADO EM RAZÃO DE PRISÃO DISCIPLINAR ILEGAL. DIREITO A INDENIZAÇÃO.
PRELIMINAR DE SENTENÇA "ULTRA PETITA" REJEITADA. APELAÇÕES E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS.
1. A aplicação do Provimento nº 24/97 - COGE, que inclui índices de inflação
expurgados na atualização dos cálculos na Justiça Federal, visa apenas manter o valor real do débito, não caracterizando julgamento ultra petita. Preliminar rejeitada.
2. Não comprovado nos autos o alegado direito adquirido à estabilidade no serviço militar (artigo 50, "a", Lei nº 6.880/80), que garantiria a permanência do autor na Aeronáutica até completar 30 (trinta) anos de atividade, é improcedente a pretensão de indenização por dano material decorrente do afastamento do servidor.
3. De acordo com o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, que compõem o rol dos direitos à privacidade do indivíduo, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O procedimento adotado pelo administrador militar, com amparo nas normas que regem a disciplina da corporação, não tem força para lesar referidos direitos, sem que tenha ocorrido divulgação dos fatos apurados.
4. No Direito Civil moderno, para casos de responsabilidade civil, a tarefa de fixação do montante da indenização por danos morais cabe ao juiz, atento às circunstâncias de cada caso e mediante a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso em exame, a indenização foi fixada em valor razoável para compensar o autor pelo abalo sofrido diante da prisão ilegal a que se submeteu.
5. Preliminar de julgamento ultra petita rejeitada. Apelações e remessa oficial improvidas.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. MILITAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DE PRISÃO ARBITRÁRIA E ILEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PREJUÍZOS NA CARREIRA. FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Desnecessária a denunciação da lide da autoridade responsável pela prisão, já que se trata de responsabilidade objetiva da União, podendo a Administração, caso condenada, mover ação regressiva contra o Agente Público que seria culpado.
- Caracterizada a ilegalidade e arbitrariedade da prisão, bem como provado o tratamento aviltante e indigno à honra do apelado, assim como os evidentes prejuízos que sofreu na carreira militar, cabível a condenação à indenização.
- Manutenção do valor fixado a título de indenização por se adequar à jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem como às decisões deste Colegiado.
- Manutenção do valor fixado a título de honorários advocatícios por se harmonizar com as decisões desta Turma.
Ementa: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E CIVIL. DANOS MORAIS. PROVA DO DANO.
OCORRÊNCIA DO EVENTO DANOSO. PRISÃO DISCIPLINAR DE MILITAR. ATO ILEGAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO.
1. Não há que se cogitar em comprovação do dano como requisito para a indenização por danos morais diante da impossibilidade de verificação empírica dos atributos da personalidade.
2. Ocorrendo ato objetivamente capaz de gerar prejuízo moral como a vergonha, dor ou humilhação, incidem as normas civis que geram dever de indenizar.
3. A prisão de militar sem o atendimento das formalidades previstas na Portaria n.º 839/GC3, de 11 de setembro de 2003 que trata sobre a sistemática de apuração de transgressão disciplinar e da aplicação de punição disciplinar militar, é considerada ilegal, mormente quando a prisão é realizada no momento em que o militar toma conhecimento da sanção, eis que o referido normativo interno prevê a cientificação prévia do transgressor.
No caso dos autos, o recorrido foi preso por quatro dias sem que tivesse tempo de comunicar sua família e prevenir-se com objetos pessoais (roupas e material de higiene) que lhes foram negados.
4. Fixação da condenação a título de danos morais fora dos padrões da razoabilidade, qual seja, R$ 20.000,00, o que impõe sua redução para R$ 5.000,00, eis que o evento danoso se restringe apenas à inobservância das formalidades previstas na aplicação da sanção e não ao mérito da transgressão.
5. Manutenção da verba honorária fixada em 10% sobre a condenação, eis que o
arbitramento do dano moral em montante inferior ao pleiteado na exordial não
configura sucumbência recíproca (Súmula 326 do STJ).
6. Correção monetária calculada conforme o Manual de Cálculos do Conselho da
Justiça Federal. Juros de mora: 1% (um por cento) ao mês.
7. Apelação parcialmente provida.
34. No tocante ao "quantum" indenizatório, tenho que o valor a ser fixado a título de indenização por danos morais deve atender, eqüitativamente, ao binômio "reparação/punição", à situação econômica do agente, ao elemento subjetivo do ilícito, e à extensão do prejuízo causado, arbitrando-se um valor que seja ao mesmo tempo reparatório e punitivo, não sendo irrisório e nem se traduzindo em enriquecimento indevido.
35. Dessa forma, atentando para os critérios da razoabilidade, entendo ser adequado, ao caso em deslinde, a fixação de uma quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que atende, perfeitamente, a estes critérios, reparando os danos morais verificados em razão da privação temporária da liberdade do Autor, sem acarretar, por outro lado, a possibilidade de enriquecimento sem causa, considerando, inclusive, a extensão da penalidade imposta, com duração de 1 (um) dia.
36. Consigno, por fim, que esses aspectos não afastam a ocorrência do dano ou o dever de indenizar, mas apenas servem de moduladores da quantificação da indenização. Ainda que se admita a ocorrência do dano ao patrimônio moral do(a) Demandante, sua repercussão econômica, sopesando-se a prova carreada aos autos, deve ser de reduzida monta para se adequar à realidade fática, sob pena de possibilitar enriquecimento sem causa, devendo ser refutado o elevado valor sugerido na exordial.
III. DISPOSITIVO
37. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, para condenar a União Federal a indenizar o Autor em quantia apurada no importe líquido de R$
5.000,00 (cinco mil reais), acrescidos de correção monetária, devida a partir da data da publicação desta sentença, calculada com base no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal ou outro manual semelhante que venha a substituí-lo.
38. Aos valores apurados, devem ser acrescidos juros de mora à taxa de 1% (um por cento) ao mês, a contar da data da publicação da sentença, até a data do efetivo pagamento, a teor do disposto no art. 406 do Novo Código Civil e do Enunciado n° 20 do CJF.
39. Custas isentas. Condeno a Promovida ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3°, do CPC.
40. P.R.I. Demais expedientes necessários.
Fortaleza/CE, 1 de Setembro de 2008.
_______________________________________________________
MARCUS VINÍCIUS PARENTE REBOUÇAS
Juiz Federal Substituto da 3a Vara
Respondendo pela Titularidade
* * *
M704
CERTIDÃO DE REGISTRO
Certifico que esta sentença foi registrada no Livro de Registro de Sentenças mantido no Sistema Processual TEBAS. Dou fé.
Fortaleza/CE, 1 de setembro de 2008.
Postado por Vlademir Assis às 08:45 3 comentários Enviar por e-mail BlogThis! Compartilhar no Twitter Compartilhar no Facebook Compartilhar no Google Buzz
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Todo e qualquer comentário proferido neste blog é de exclusiva responsabilidade do autor. Comentários com conteúdos impróprios ou com palavras de baixo calão não serão publicados, assim como qualquer um comentário julgado ofensivo pelo idealizador deste blog.
Ao proferir comentários, você autoriza o uso de seus comentários pelo blog.