Ser autor de blog exige dispensar alguma atenção aos leitores, a depender da audiência, muitos deles espalhados por todo o país – e até no exterior. Felizmente, é o caso do Abordagem Policial, que proporciona aos autores, além das discussões na caixa de comentários, boas conversas via email, Messenger e pessoalmente. Foi num desses contatos que, recentemente, ouvi (li) a seguinte frase de um amigo policial civil brasileiro: “a polícia é um cemitério de sonhos”.
O colega dizia de seu entusiasmo ao ingressar na corporação que hoje serve com pouco (ou pouquíssimo) prazer. Achava sensacional, ao realizar as etapas do concurso, a possibilidade de investigar crimes, prender malfeitores, ser responsável, de certo modo, pela promoção da justiça neste país tão carente de honestidade. Sim, ele ouvia estórias de corrupção e desmandos, mas acreditava que era possível fazer a diferença, ser digno e, dentro da sua esfera de responsabilidade, fazer a coisa acontecer.
“Mas tudo muda, colega, quando se vive a ineficiência do serviço público brasileiro numa área em que qualquer deslize vale um tiro na cabeça – sua ou de um cidadão na rua”. O colega chegou a ser transferido duas vezes em sua carreira, para pólos opostos do estado em que serve: uma porque não aceitou o entendimento do Delegado em relação a uma prisão em flagrante. Para ele, o caso deveria ser tratado como tráfico de drogas, o Doutor decidiu que seria consumo. Sete papelotes de cocaína e o filho de um deputado.
Na outra transferência, ele resolveu investigar por conta própria alguns crimes que ocorriam na cidade. Encontrou vestígios policiais nas cenas dos crimes.
Por outro lado, diz o amigo, a cultura da lentidão (ele usava esta mesma expressão) nos seduz cotidianamente. Segundo ele, é quase consenso entre seus colegas de delegacia que não vale a pena suar pela polícia, que não valoriza o trabalho dos bons profissionais, e os explora lançando-os no “Labirinto do Minotauro”. Para o leitor avesso à Mitologia, lembro que o dito Labirinto era aquele em que, após ser subjugada por Creta (cidade grega), Atenas deveria enviar sete homens e sete mulheres. Segundo a lenda, os atenienses ou eram mortos pelo Minotauro que residia no Labirinto ou ficavam permanentemente perdidos nele.
E foi após estes desabafos que o colega chegou à idéia do “cemitério de sonhos”, um lugar que, segundo ele, as boas vontades são convertidas ou em apatia ou em perversidade – ele mesmo se colocava no primeiro grupo.
Retomando o mito do Labirinto do Minotauro, lembrei ao colega, e lembro aos que agora nos lêem, que o herói Teseu foi capaz de vencer o Minotauro, e retornar do Labirinto após derrotar o monstro. A coragem e a perspicácia foram ferramentas indispensáveis: além de enfrentar sozinho o Minotauro, usou um novelo de lã que recebera de sua amada, a princesa Ariadne, atando-o numa pedra na entrada do Labirinto, desenrolando-o enquanto avançava, assegurando assim seu retorno.
A esta réplica, recebi a tréplica do colega em forma de pergunta: o que será, quem serão ou o que será o nosso Teseu?
Fonte: Abordagem policial /Direito dos Policiais Militares do Brasil
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