“O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.” (Art. 2º da Lei 9099/95)
A polêmica do Termo Circunstanciado (TC) envolvendo a PMERJ e a PCERJ está longe do fim. Seguirá em expansão, como o Universo e seus mistérios (hoje Prêmio Nobel), tornando imperativa a difusão de todos os pontos de vista para avaliação da sociedade... Na realidade, a polêmica está só começando e não deve ser encarada como questiúncula entre oficiais da PM e delegados de polícia, mas como assunto institucional e de elevado interesse público... Contudo, − e seja como for, − de uma coisa não há dúvida: o TC veio, pelo menos pretensamente, para acelerar decisões judiciais nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo; e, deste modo célere, eliminar os históricos entraves burocráticos da atividade policial, muitos deles passando ao largo do Ministério Público e do Poder Judiciário. Mas o fato de a Lei 9099/95 referir-se textualmente a uma “autoridade policial”, mesmo sem mencionar que se trata de delegados de polícia, faz com que estes, − com ou sem razão, − entendam a lavratura de TC como exclusividade deles, o que redundaria na obrigatoriedade de o TC ser praticado somente em delegacias de polícia.
Não foi este o escopo da Lei 9099/95, embora ela cite uma providência, no Art. 69, que praticamente tranca a celeridade pretendida, posto falar em “requisições dos exames periciais necessários”, que, em tese, − excluindo-se as infrações penais militares, − não competiria à PMERJ providenciá-las: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”. Eis, talvez, o “xis” da questão, especialmente porque esta necessidade (que a PMERJ tem condições de suprir por meio de sua própria tecnologia criminalística), em havendo, deveria ser requisitada pelo MP, solucionando-se deste modo simples o problema da “competência” avocada como exclusiva pelos delegados de polícia, embora não se confunda com nenhuma “exclusividade”. Trata-se o texto do Art. 69, na verdade, de um paradoxo, pois, se de um lado a Lei 9099/95 apregoa a desnecessidade da burocracia inquisitorial, de outro impõe uma “providência” que decerto fortalece o ânimo dos delegados de polícia, salvo exame mais profundo.
Cabendo, portanto, razão aos delegados de polícia, e encaminhadas todas as ocorrências às delegacias, como ficará a situação − se a autoridade policial optar pela inexistência da infração penal de menor potencial ofensivo, segundo a inevitável interpretação prévia do patrulheiro, − e decidir não lavrar o TC? Quem desempatará a questão?... Que fará o policial-militar diante da adversidade funcional?... Eis um dos muitos impasses, culpa primeiramente da obscuridade da lei, que deveria indicar quem pode e deve lavrar TCs. Cá entre nós, poderiam ser todos os agentes públicos detentores de parcela do Poder de Polícia (Guardas Municipais e de Trânsito, Fiscais de Postura e demais agentes públicos cuja atuação se fundamente no Poder de Polícia). Mas assim a Lei 9099/95 não o fez, deixando no ar a dúvida que permite ao delegado de polícia assumir para si a “exclusividade” da aplicação da referida lei, embora ele não possua nenhuma “exclusividade” de exercício da atividade de polícia judiciária, mas apenas “competência” para exercê-la, o que é inerente também à Polícia Militar nos casos de crime militar. Advém deste fato uma indagação: se a Polícia Militar não pode lavrar TC, como deve proceder quando houver infrações penais militares de menor potencial ofensivo?... Levar a ocorrência para registro de TC em delegacias policiais?... Lavrar um “Termo Circunstanciado Militar”, deste modo inovando à revelia do Art. 90-A da Lei 9099/95?...
Bem, não sei. Sei apenas que ficando as Polícias Militares fora do mecanismo prescrito pela Lei 9099/95, e sendo elas presentes em todas as ruas e logradouros públicos Brasil afora, enquanto as Polícias Civis aguardam em seus balcões o fato consumado para registro e investigações posteriores, como se dará a celeridade pretendida?... Ora, com certeza não o será por meio de ostensivas blitze realizadas pelas Polícias Civis (no RJ é assim) abalroando a exclusividade das Polícias Militares (neste caso é exclusividade, mesmo!).
Em meio a esta birra, quem perde é a população, pois é certo que muitas ocorrências serão “encerradas no local” pelas Polícias Militares (no RJ é assim), tornando-se o policial-militar um autêntico “juiz” de questões que jamais chegarão às delegacias policiais e muito menos ao Ministério Público e à Justiça. E isto é feito com a anuência tácita ou explícita das Centrais de Operações (“Marés”), espécie de “cheque em branco” adrede assinado e entregue ao patrulheiro (na PMERJ é assim). E nas delegacias policiais (na PCERJ é assim) ocorre o mesmo, ou seja, muitas ocorrências não resultam TCs nem Registros de Ocorrência (RO). Cá entre nós, é deste modo que muitos fatos se tornam pó entre um lado e outro do balcão de atendimento da DP, às vezes nem chegando à mesa do delegado. E, mesmo que cheguem, muitos são “encerrados no local” (DP) igualmente à revelia do Ministério Público e da Justiça. Ora, o TC deve apanhar até “mosca voando”, de modo que o Ministério Público e a Justiça saibam realmente o que ocorre no cotidiano da convivência social. Não sendo assim, o pequeno delito passará despercebido por quem é verdadeiramente competente para opinar sobre ele, e ao largo daquele que pode exclusivamente julgá-lo nos termos da Lei 9099/95. Mas esse pequeno delito, − em sendo errônea ou maliciosamente ignorado pelas polícias, − poderá evoluir para um crime de alto potencial ofensivo que poderia ter sido evitado, desde que imediatamente levado à apreciação de quem detém com exclusividade o poder judicante.
Por derradeiro, insisto que a Lei 9099/95 não veio ao mundo jurídico-judicial-policial para acirrar disputas institucionais nem para atender a objetivos inconfessáveis. Com certeza, a lei existe para servir ao cidadão e à coletividade, garantindo-lhes uma ordem pública eficaz e efetiva. Seu escopo, sem dúvida, é eliminar do ambiente as desordens simples que, − acumuladas e potencializadas pela falta de desempatadores, − podem se transformar em crimes graves, deste modo prejudicando a paz e a harmonia que devem primar na convivência social, fim supremo da segurança pública como garantidora da ordem pública. A referida lei deve, sim, ser objeto de harmonização da atividade policial. E, se não atinge este objetivo, urge aprimorar seus termos, iniciativa que cabe ao Congresso Nacional e não demanda esforço nem despesas. Pelo contrário, a Lei 9099/95, como assegura seu Art. 2º, sublinhado no frontispício, objetiva também a “economia processual” por meio de uma justiça mais veloz e menos custosa. Conspirar contra seus princípios norteadores é ignorar o idealismo que deve prevalecer nas instituições policiais e que se resume na prestação do melhor serviço público à população fluminense.
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